A ciência já comprovou que empatia e altruísmo são traços que vêm dos instintos de nossos antepassados. Em última instância, são traços biológicos que garantiram a sobrevivência e a progressão da espécie humana quando precisava compartilhar seus recursos em função de escassez e sazonalidade.
E isso não é um privilégio só nosso. O mundo animal está repleto de exemplos que buscam a empatia como habilidade para manutenção de suas vidas.
No livro "A era da empatia", o primatólogo Frans de Waal mostra como "diversos animais, incluindo os seres humanos, foram dotados, pela evolução, da capacidade de se colocar no lugar do próximo, de se apiedar da dor do vizinho e, em casos extremos, até de salvar-lhe a vida, colocando a própria em risco.”
Esse instinto da compaixão vai de encontro à visão mais freudiana do homem, que o coloca como uma espécie movida primordialmente pelo instinto do prazer (aquele pelo qual o indivíduo se guia a fim de atender às necessidades do Id, orientando-se a partir da busca pela satisfação de suas necessidades básicas, sem levar em consideração o outro ou o local ou o momento).
Não apenas para o primatólogo, mas também para alguns outros biólogos e pesquisadores que tomam como base estudos com ratos e mamíferos de diversas espécies, está comprovado que o "gene egoísta", creditado ao ser humano, não se traduz em indivíduos ou sociedades.
Foi publicado recentemente um estudo sobre ratinhos treinados que, ao puxarem determinada alavanca, conseguem seu punhado de açúcar, mas ao fazê-lo percebem que machucam outro rato e, com isso, mudam de alavanca (ainda que isso venha a diminuir sua quantidade de ração). Este estudo nos remete a algumas questões, como: “estarão esses animais sendo empáticos e altruístas, já que passam a obter menos alimento, ou estão fazendo isso para amenizar o próprio sofrimento, já que ficam ansiosos ao verem outro espécime igual a ele ser machucado com a alavanca?”
Esta é uma pergunta instigante quando se trata do comportamento dos ratos, mas igualmente intrigante se compararmos ao comportamento humano frente ao que vivemos agora, onde observamos uma maior empatia dos homens em relação às dores causadas pela pandemia mundial.
Outro estudo, publicado na revista Nature, em 2018, já tinha identificado que a genética traz uma contribuição significativa para a empatia, mas que não é a única responsável. Apesar de algumas pessoas herdarem traços ‘pró-empatia’, o fato de nascerem em família com pais empáticos, acrescentam uma boa dose na sua experiência de aprendizagem.
Olhando para isso podemos nos perguntar se o contrário também acontece, ou seja: “será que uma pessoa que tenha herdado menos genes pró-empatia, nascendo em uma família com pais menos propensos a serem empáticos, terão menos chances de demonstrarem esta habilidade na vida?”
E o que a resposta a isso vem nos ensinar?
Talvez, ao encontrarmos pessoas não-empáticas (e sabemos que são numerosas), devamos tentar compreendê-las à luz destas evidências genéticas e de aprendizagem antes de criticá-las, possibilitando, assim, nosso próprio exercício de empatia frente ao outro.
E a liderança neste contexto?
Exatamente agora, à sombra de uma crise de saúde pública como a que estamos atravessando, o coronavírus pode nos ensinar muito sobre o tema empatia.
Enquanto milhões de profissionais de saúde enfrentam riscos para salvar vidas e voluntários sacrificam seu bem-estar pessoal e, muitas vezes, sua própria segurança a fim de amenizar o sofrimento de outros, um movimento oposto também ocorre. Basta observarmos a proliferação dos discursos de ódio e ataques racistas de toda natureza que se espalham nas mídias digitais pelo mundo todo.
A pandemia pode ser o maior teste de liderança política que o mundo já viu e, neste cenário, despontam líderes tanto de um lado quanto de outro.
A empatia (ou a falta dela) surge como protagonista na reação das lideranças frente ao problema mundial. Jacinda Ardern, por exemplo, primeira-ministra da Nova Zelândia, zerou os casos de COVID-19 em seu país e muitas pessoas atribuem esse feito ao seu estilo "empático" de liderar. Com mensagens consideradas "claras e consistentes" e uma abordagem emocional como estratégia, sua comunicação funcionou muito bem, causando engajamento da população mesmo quando as notícias eram duras e sua política, de certa forma, severa.
O alto nível de confiança depositado na liderança da primeira-ministra passou pela sua capacidade de entender as aflições e o medo de seu povo, articulando uma boa comunicação, expondo-se verdadeiramente na causa, buscando simplicidade na linguagem, informal e educativa, utilizando o Facebook muitas vezes para conversar com a população, demonstrando exemplos práticos de como poderiam driblar os problemas econômicos, trazendo mensagens tranquilizadoras e gerenciando expectativas, sem jamais deixar de enfatizar o lado humano da crise de saúde.
E os líderes de empresas?
Como no exemplo de liderança mundial, em tempos VUCA - voláteis, incertos, complexos, ambíguos e, ainda, altamente estressantes devido ao momento atual, líderes que assegurem a saúde mental e física, o bem-estar e a segurança de sua força de trabalho são essenciais.
Considerando um processo de reabertura de empresas, por exemplo, lideranças têm o dever legal, moral e ético de tomar medidas necessárias e adequadas para proteger seus colaboradores. O desafio da liderança, entretanto, deverá ir muito além disso, pois todos sabemos que, sem a adesão das pessoas, mesmo os planos muito bem elaborados de retorno ao trabalho poderão ir por água abaixo e líderes e gestores poderão enfrentar problemas.
Uma boa estratégia de comunicação, por exemplo, onde transparência, confiança e empatia estejam no cerne das tomadas de decisões, poderá ser o diferencial para as empresas no momento em que precisam mais do que nunca de seus colaboradores.
Líderes devem traduzir suas ações com senso de empatia e entender que, embora todos estejamos passando pela mesma crise, ainda assim, cada um, em suas diferentes nuances e realidades, tem sua própria experiência.
Muitos de nós podemos ter condições de saúde que aumentam o risco da infecção e podemos relutar em retornar ao escritório. Outros podem estar ansiosos para voltar, mas têm responsabilidades para com os filhos e familiares que estão em casa, tornando este retorno mais difícil. Outros ainda podem estar enfrentando algum luto pela perda de algum ente querido… ou seja, momentos como o que atravessamos trazem a necessidade de uma extrema sensibilidade por parte dos que estão em papéis de liderança, levando em conta as múltiplas realidades às quais estamos submetidos.
Para liderar, é preciso reconhecer a individualidade de cada elemento da equipe, permitir que fluam da melhor maneira possível, de forma natural, sem qualquer tipo de coerção ou manipulação. É colocar-se à disposição da equipe para que os resultados sejam alcançados a partir do melhor de cada um. Como fazer isso sem empatia? Se não impossível, é no mínimo bastante mais complicado.
Estabelecer empatia com o colaborador é, comprovadamente, uma das melhores maneiras de se obter engajamento e, por consequência, comprometimento. E, por que? O líder que já experimentou essa empatia, sabe muito bem que é algo não muito simples, mas fundamental, presente o tempo todo nas relações. Como conversar (e compreender de verdade) com alguém se não tivermos empatia? Como vender alguma coisa para alguém sem empatia? Como ensinar algo a alguém sem empatia?
Dito isso, é importante, e nunca tarde demais, analisarmos se temos facilidade em entrar em empatia com o outro e em que situações ela se apresenta.
É interessante constatar que as máquinas parecem estar muitas vezes se apresentando mais empáticas do que nós, os seres humanos. Em tempo quase integral, somos bombardeados por produtos, informações e oportunidades de sanarmos os nossos problemas sem necessariamente precisarmos de outro ser humano do outro lado da relação — como o que ocorre com o Spotify e a Netflix, por exemplo, bem como com inúmeros aplicativos que nos acompanham pela rede, nos dando a sensação de estarem prestando atenção em nós, nos ouvindo, entendendo nossos gostos e desejos.
Para uma maior compreensão da relevância da empatia no exercício da liderança, podemos observar seu efeito contrário. Um líder não empático pode gerar omissão de informações por parte de sua equipe, medo, distância, queda na produtividade, estresse, resultados à base de esforço demasiado, pouca ou nenhuma admiração, baixo comprometimento, clima de trabalho ruim, entre outros comportamentos facilmente observáveis.
Por outro lado, já há estudos que afirmam que "empatia gera empatia", ou seja: uma vez que eu percebo sua empatia por mim, eu também desenvolvo empatia por você.
Existem benefícios no ser empático em várias outras áreas de nossas vidas. Há a melhora dos relacionamentos amorosos (quando as pessoas se entendem apenas pelo olhar); nos relacionamentos de pares profissionais (as informações circulam mais livremente e de forma apropriada), há uma diminuição dos ruídos da comunicação, tornando-a mais fluída; aumento no comprometimento e sentimento de pertencimento aos grupos, o que fortalece o senso de equipes e times no trabalho.
Quando o mundo parece imprevisível e caótico, fazer o bem, dar apoio e melhorar as coisas para outras pessoas pode ser uma fonte alternativa ao nosso próprio bem estar.
É importante entender que apenas "boas intenções" não é o suficiente. Precisamos agir se quisermos mudar a realidade. E a diferença entre o sentir a dor do outro (empatia) e fazer o bem em prol do outro (compaixão) são opções que, se usadas de forma coletiva, poderão transformar definitivamente nossa sociedade e, provavelmente, possibilitar a sobrevivência de líderes e empresas após esta pandemia.
Num momento em que as pessoas precisam evitar aproximações físicas e estão distantes socialmente, é muito fácil se voltar para dentro e se concentrar apenas em si ou em seu núcleo mais próximo. Entretanto, pesquisas sugerem que “cuidar dos outros é uma das melhores maneiras de combater a sensação de solidão e de isolamento, tão comuns neste momento que atravessamos. Cuidar dos outros pode reduzir o estresse, aumentar nosso senso de conexão social, trazendo uma maior sensação de bem estar e felicidade.”
Como vimos no começo desse texto, algumas pessoas são empáticas em função da genética, mas há algumas coisas que podemos fazer para cultivar nossas próprias habilidades de empatia, tais como:
- questionar as próprias suposições e usar a curiosidade — habilidades fundamentais no pensamento crítico — são uma forma de construir empatia;
- desenvolver a "escuta ativa" e de "captar" coisas que ainda não foram ditas, ou "perceber" sentimentos através do tom e da intensidade da voz do outro;
- observar as ações empáticas dos outros e imaginar-se na situação;
- praticá-la (como um exercício mesmo) não só para abrir nossa mente para imaginar o que outras pessoas estejam sentindo, mas para nos permitir maior conexão social.
Por Jacqueline Palma
Fontes:
*Estudo da revista Current Biology, março de 2020 https://www.cell.com/current-biology/fulltext/S0960-9822(20)30017-8
* livro ‘A era da empatia - lições da natureza para uma sociedade mais gentil’, de Frans de Waal, Cia das Letras;
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