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Como assim? Agora que estamos nos adaptando a esse formato e vendo seus benefícios, você vem dizer que não será o novo normal? 

Sendo bem realista, assim que for seguro — ou até mesmo antes — aqueles trabalhos que podem ser feitos remotamente voltarão a funcionar como antes, de maneira presencial. Essa “profecia” só não será verdadeira se decidirmos encarar de frente alguns paradigmas organizacionais e algumas crenças limitantes individuais.

Muitas empresas já anunciaram que manterão suas estruturas totalmente remotas, como o caso popular mais recente da XP Investimentos. Entretanto, nem toda organização está de fato preparada para fazer a mudança para passar a trabalhar em um formato distribuído, o que vai muito além do “home office”.

Há quem diga que isso é óbvio, pois somos seres sociais. Realmente, não nego essa nossa característica, mas não creio que seja esse o motivo.

“Tem coisas que precisam ser resolvidas pessoalmente”. Assim como eu, você já deve ter escutado isso algumas vezes. Entretanto, é uma falsa-verdade. A grande vantagem de estar fisicamente com alguém ou um grupo de pessoas é que a velocidade da interação é muito grande, o que dá a impressão de resolver tudo mais rapidamente.

Apesar disso, são inúmeros os casos de sucesso que se vê por aí de empresas que estão conseguindo lidar com assuntos sensíveis, questões estratégicas e até sessões com alto grau de colaboração entre os participantes de maneira virtual. Por que essas empresas conseguem ao passo que a maioria ainda acredita ser necessário o contato físico para resolver determinados assuntos?

Verdade seja dita, quando a quarentena veio, boa parte das empresas decidiram — inconscientemente ou por falta de alternativa — por emular a dinâmica do trabalho presencial no remoto. Só que uma coisa é fazer 4 horas de reunião em uma sala fechada com coffee break servido e outra é fazer cada um em sua casa por meio de uma tela de computador, tendo que parar se for preciso fazer um café. Isso sem contar todas as possíveis distrações que temos em nossas casas.

Uma nova dinâmica na relação se faz necessária. A grande questão é como adotar essa nova dinâmica uma vez que ela confronta alguns paradigmas gerenciais e sociais que estão muito enraizados nas culturas das empresas. Apenas para citar um exemplo: se antes uma pessoa no papel de supervisão poderia garantir que todo um departamento está trabalhando ao ver cada pessoa em seu local de trabalho, o que fazer agora que essa “super visão” não é mais fisicamente possível?

Enquanto antes trabalhávamos — em tese —  das 8h às 18h, com certa tranquilidade por conta da barreira física que tínhamos com relação ao nosso lar, como fazer agora se todas as responsabilidades da casa não param e nos esperam só porque temos uma reunião nas próximas 2 horas?

Se por um lado já temos vivência pandêmica o suficiente para ter aprendido a utilizar o Zoom e ter montado uma boa estrutura de trabalho em casa, ainda precisamos caminhar muito para de fato realizarmos as mudanças culturais que são necessárias para que possamos deixar de ser times cooperando remotamente para sermos times construindo valor de forma colaborativa e distribuída. 

No frigir dos ovos, a pergunta que permeia a cabeça de qualquer gestor: como, independente da forma de trabalhar, meu time conseguirá executar suas tarefas e tomar boas decisões de maneira autônoma e consciente? A resposta é simples: autonomia, responsabilidade, respeito, confiança e abertura. Bom, na verdade não é tão simples assim, não é mesmo?

Ajudando empresas em diferentes contextos e com diferentes gerações, tenho percebido que a maneira mais consistente de realizar essa mudança é um olhar mais sistêmico para a organização, considerando (1) sua cultura, (2) seu propósito, (3) sua estratégia, (4) sua estrutura, (5) seus métodos e processos e a co-relação e influências entre cada um desses cinco elementos. 

Um equívoco um tanto quanto comum é pensar que esses elementos podem ser trabalhados separadamente. É o caso clássico de pegar um método de mercado e tentar implementá-lo sem fazer qualquer análise ou ajuste no restante do sistema. É previsível que esse movimento alcançará dois possíveis resultados: o novo método será rejeitado ou o novo método passará a operar como o seu antecessor. Evidente que nenhuma dessas saídas são resultados desejados quando se busca uma mudança.

Outro engano muito comum é apostar todas as fichas na capacitação. Entra ano e sai ano, rios de dinheiro são investidos nas lideranças para que elas tragam novas visões e novas ideias para serem colocadas em prática, mas o que se vê é na verdade uma série de frustrações. As capacitações são importantes e devem fazer parte do processo de mudança, mas é um erro achar que o sistema será aprimorado apenas com novas ideias e cuca fresca. Uma intervenção mais estruturada se faz necessária.

Mas afinal, qual o caminho? E o que isso tudo tem a ver com o trabalho remoto não perdurar após a pandemia? Bom, levar as pessoas a trabalharem de casa sem redesenhar todo o sistema (os cinco elementos da organização) é como tentar correr com uma roupa de mergulho. Na primeira oportunidade, você vai ter que tirar o pé de pato e colocar aquele tênis velho que você já utilizava. 

Deixo aqui uma sugestão: que tal começar compreendendo o sistema operacional vigente na sua organização? Mapear os cinco elementos e entender as correlações entre eles. E, principalmente, olhar de maneira fria para a forma como as pessoas agem e reagem aos protocolos do sistema. Garanto que, a partir disso, você terá insumo o suficiente para identificar quais possíveis ajustes fazer.

 

AUTOR: Bruno Bonini, designer organizacional, empreendedor e produtor do podcast Inovação Lado B ( https://bit.ly/iladobpodcast). Bruno foi palestrante na 3ª edição do Diálogos para o Agora, evento que o IEL realizou em julho deste ano. Confira no link abaixo: https://www.youtube.com/watch?v=qbPgF1RDW3U)

 

 

 

quinta-feira, 10 de Setembro de 2020 - 4h04

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